Corria o ano de l960. Era Dezembro…
O vento sacudia, energicamente, os pinheiros, os eucaliptos, as acácias da mata da capela e os campos estavam vestidos de neve.
A aldeia preparava-se para festejar o Natal. No início do mês, a sineta da capela começou a lembrar, alegremente, à população que o Nascimento do Menino estava próximo. Era assim todos os anos, ninguém sabia desde quando...
Na noite de Natal, toda a aldeia se reunia na Capela da Senhora da Alegria para comemorar o nascimento do Menino Jesus. Ao serão, faziam-se velhoses e o cepo de oliveira ficava aceso toda a noite “para aquecer o Menino”. Todos se dirigiam à capela mesmo quando as colheitas tinham sido más, como aconteceu naquele ano.
Poucos dias antes do Natal, a Emília fez a limpeza da casa. Com um vasculho de gibardeira, limpou as paredes e o telhado. Precisava de dinheiro para comprar o sabão amarelo com que lavava o sobrado e papel para forrar as cantareiras. O milho e o arroz escassearam nos campos. E uma chuva precoce e cruel tinha impossibilitado a colheita de uma boa parte do arroz. Para cúmulo, a fábrica ainda não pagara o cereal que já tinha recebido. Naquele ano, a vida dos pequenos lavradores, estava mais difícil do que nunca. E a Emília dava voltas à cabeça... Como iria ela arranjar os tostões que lhe faltavam?! Era uma mulher forte e tinha uma fé inabalável. Sabia que o Menino havia de a ajudar a alindar a casa para Ele entrar na Sua noite.
De súbito, ao varrer a cozinha, sem saber de onde nem como, viu cair no chão algumas moedas. Estremeceu de alegria e fez o sinal da cruz. Eram precisamente as moedas que lhe faltavam para comprar o sabão e o papel colorido!... A Emília não questionou coisa alguma. Ela sabia que o amor de Deus é concreto e que actua como e onde quer.
No dia de Natal, mais uma vez a aldeia do Ameal se concentrou no largo da capela para rezar, conviver e oferecer para o leilão as suas galinhas, ovos, milho, feijão, fruta, azeite, etc. Também nunca faltava, naquela tarde, o cesto de uvas que a tia Inês tinha guardado, religiosamente, na sua despensa. “Eram as uvas de Nossa Senhora”, dizia ela, com ternura.
A Emília partiu para sempre, há alguns anos, com a certeza de que Deus se tinha manifestado quando varria a sua cozinha.
No Ameal permanece, bem viva, esta tradição. E eu, no dia de Natal, sinto sempre necessidade de pisar aquele chão da minha infância, de ouvir a sineta, os gaiteiros animados pelo ti`Zé Salgueiro, os pregões das ofertas... Necessidade de ajoelhar na capela, de retribuir o abraço de quem cresceu comigo naquela aldeia, de sentir o cheiro da canela dos rapelhos, dos pinheiros, dos eucaliptos e do cepo de Natal a arder na largo da capela.
[Carlos de Oliveira]
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