Ameal é freguesia do Concelho de Coimbra

2.27.2007

Etnografia sentimental: Galaitas



[Foto de Carlos Barradas]

A figura meã, mas altiva, a face marcada pelo transcorrer dos anos e pelo farto bigode à Vercingetorix, a ginga nos movimentos e as palavras encadeadas em enleantes fintas; tudo isto é Galaitas: ou será necessário dizê-lo, tudo isto é um homem que nos leva de volta a um passado que nunca foi nosso. Um homem que sabe agir perante uma mulher e que não tem pudor em dizer-nos como. Já o conhecemos há tantos anos e continua o mesmo: um homem com setenta anos e uma mente sempre catraia.

Sentimos a tua falta.

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2.16.2007

Etnografia sentimental

Ele estava nitidamente enervado, a barba negra e revolta em harmonia com a pele tisnada e os dentes cariados, em passo lento sobre o chão coberto de cascas de amendoim, reverberando a vozes altas aqueles que o rodeavam. No limiar da grande porta do café da Otília, com os sentidos focados na estrada em frente, não prestei atenção excessiva a tão pouco amena conversa. Mas aquele atropelo involuntário conduziu o meu olhar para o grupo do qual ele se afastava, ao mesmo tempo que gritava para um dos circunstantes: - Vai-te mas é embora que tu aqui és completamente indispensável.

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2.13.2007

Resultados do referendo - IVG

RESULTADOS: Ameal
Inscritos: 1252
Votantes: 547 - 43.69%
Em Branco: 8 - 1.46%
Nulos: 2 - 0.37%
Opções
Votos

Sim: 391 - 72.81%
Não: 146 - 27.19%
[Percentagem calculada sobre votos validamente expressos (brancos e nulos excluídos)]
Vitória expressiva do SIM na freguesia do Ameal, que venceu com uma percentagem superior à média do distrito de Coimbra e ligeiramente superior à média no distrito de Lisboa.

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2.08.2007

São Justo [padroeiro do Ameal] e São Pastor



[São Justo]

Conta-se que eram jovens cristãos e estavam na escola quando souberam que o perseguidor e governador Daciano acabava de entrar na cidade. Justo e Pastor fugiram, mas foram apanhados e entregues por pagãos ao grande perseguidor dos cristãos. Diante do governador, montado sobre o seu cavalo, os corajosos discípulos de Cristo não recuaram diante das ameaças, tanto assim que, frente à possibilidade do martírio, a resposta de Justo e Pastor foi um canto de felicidade. O governador, ridicularizado pela fé que transfigura aqueles jovens, mandou que lhes cortassem as cabeças em Alcalá de Henares, em Castela, no ano de 304.

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2.07.2007

Amor no Ameal



[Declaração de amor no viaduto de entrada para a via-rápida]

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2.06.2007

O madeiro na Capela: personagens e sangue

Se o não soubesse pela história com certeza presumiria, ao ver o meneio ébrio dos velhos na minha aldeia escoltando as notas falhadas de uma gaita e o rufar dos tambores de pele curtida, que ancestral sangue berbere percorre ainda o nosso sistema vascular. Junto à extensa fogueira que afogueia as faces das raparigas e me aquece as mãos trémulas, o queixume de uma gaita instiga os restos do deserto que ainda percorrem o meu sangue: alegria imberbe descontinuada por fiapos de melancolia.

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2.01.2007

Ameal, anos oitenta do século passado: matança do porco

A minha avó acordou-me cedo, muito mais cedo que o normal em dia de escola. Eu devia ter uns 12 anos enfezados, o meu corpo não fora ainda assaltado pelas minudências da puberdade – os primeiros pêlos, uma ou outra espinha, a voz engrossada e o growth spurt na estatura. Mas ia iniciar-me num admirável mundo novo, a vivência dos adultos: encorpada numa matança de um animal de quem eu, por principio, não gostava – nojento, fuçando no estrume, estilando pestilentos odores, cujo nome próprio denuncia a sua javarda natureza.

O protocolo da matança é banal. O porco, ou porca, é deitado de costas numa mesa larga com meio metro de altura. As quatro patas do suíno são obstinadamente fixas às mãos nodosas dos homens enquanto o matador, com enorme sabre afiado, espeta o animal na jugular, de onde se evade o gorgolejante vermelho do sangue para um alguidar seguro pelas mulheres. Cheguei junto dos homens, o meu avô, o meu pai, o meu tio, o Tozé, o Zé Línguas e o matador Zé Leite, protestando que não queria ficar ali a ouvir os guinchos terríveis que proclamavam a derrota do porco e através dos quais o animal certamente amaldiçoava aqueles duas pernas que o iam preparar mais tarde nas brasas.

“Não tenhas medo”, disse o meu avô, “agarras o porco na pata de trás comigo. É só para te ires habituando”. “Eu não tenho medo”, zanguei-me, “não gosto é de ouvir o choro do porco”. O Zé Leite, enquanto afiava a faca, ia contando que assim que chegou aos matos de Angola andou a juntar os pedaços de dois companheiros que tinham pisado uma anti-pessoal nos próprios alforges dos dois coitados. “Uma bela história para encantar criancinhas”, pensei eu, néscio de todo. Lá nos abraçámos ao bicho que, depois de mortalmente ferido, vozeou ainda mais pragas e anátemas [não é assim tão difícil imaginar um porco taumaturgo, afinal eu olhei para o seu interior e pude comprovar que a melhor maneira de conhecer um homem é olhando para o corpo de um suíno] durante uns bons 20 minutos. Os primeiros sangues, rebeldes, vieram encalhar-se na minha face imberbe, apavorada, misturando-se com as lágrimas que, desse modo, ficaram escondidas pelo motivo que as provocou.
No meio da confusão, o Tozé ainda teve o desplante de perguntar ao Zé Línguas algo pavoroso, violento: “Queres trocar a tua mulher pela minha?”; “Ora essa, merda por merda não vale a pena”, respondeu este, zombeteiro. Agarrado ao meu avô e à perna do animal trespassado, pensei: “Que porcos!”
[Os nomes foram, obviamente, alterados. Baseado em factos reais. ]

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